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Da intangibilidade do usufruto ante a realização da hasta pública de bem gravado com ônus de usufrut

RESUMO: O presente artigo acadêmico tem como finalidade promover o estudo e reflexões a respeito do posicionamento adotado pela atual codificação civil quanto a extinção do usufruto, peculiaridades e a inaplicação das regras alusivas a extinção quando confrontadas ao praceamento de bem gravado com o ônus de usufruto. O exame da doutrina romana, a qual defende a liquidação do usufruto sempre que há a alteração da substância do bem gravado com usufruto, é também alvo deste ensaio, em que se busca compreender as razões deste afastamento, op legis, da doutrina tradicional romana.


PALAVRAS-CHAVE: Usufruto. Hasta pública. Extinção do usufruto.



Introdução:


O instituto do usufruto é para muitos originário do direito romano. Como tal, é direito real originário das antigas relações de família[i] . Para termos noção a respeito deste instituto, parece relevante o exame das relações familiares existentes à época. Naquele dado período, a mulher não herdava.


Assim, em caso de premoriência do varão, para que a mulher não ficasse na penúria, o homem costuma designar a mulher como usufrutuária dos bens então deixados, independentemente de testamento.


Ao longo dos anos, mesmo apesar desta nítida proximidade do usufruto com o direito romano, as relações humanas sofreram intensa reconstrução sociológica e jurídica, surgindo a necessidade de novos desdobramentos, que, por vezes, implicaram na modificação quanto ao entendimento e aplicação desta importante espécie de direitos reais.



O usufruto como instituto de direito reais:


Conforme preceitua a doutrina nacional, o usufruto é considerado instituto de direitos reais, através do qual os atributos associados a propriedade plena acabam sendo desmembrados entre dois ou mais indivíduos. O chamado usufrutuário conserva consigo o domínio útil, a posse indireta, podendo usar e usufruir do bem, mas não aliená-lo. Aliás, a este respeito parte da doutrina afirma peremptoriamente a impossibilidade de transmissão, de modo que a intransmissibilidade é uma de suas características.

Por sua vez, temos ainda a figura do nu-proprietário que guarda os atributos da propriedade associados a disposição e a possibilidade de reaver o bem que, eventualmente, esteja sob o domínio de um terceiro.

O usufruto é espécie de direitos reais no qual existem as características da instransmissibilidade, inalienabilidade, além de ser um instituto que, em regra é celebrado de forma temporária, embora a doutrina admita a sua forma vitalícia[ii].

O desmembramento dos atributos da propriedade, além de dar origem a este importante instituto de direitos reais, cria algumas situações consideradas impares frente a falta de regulamentação do tema. A exemplo disso tomemos como ponto de partida a extinção do usufruto. Previsto inicialmente no artigo 1.410, as hipóteses elencadas junto a codificação atual nem de longe tencionaram exaurir a matéria atinente às hipóteses de extinção, na medida em que diversas situações ficaram de fora, como, verbi gratia, a extinção do usufruto em decorrência de processo de desapropriação, ou ainda, pelo simples descumprimento dos deveres ordinários de manutenção do bem gravado com o usufruto, muito embora a combinação dos arts. 1410, VII com o art. 1112, VI do CPC tragam à ribalta a possibilidade de se argüir a extinção do usufruto em razão do descumprimento de obrigações legais, ou ainda, das cláusulas do usufruto garantido por contrato, no caso de usufruto voluntário.


Questão das mais tormentosas, tem sido a possibilidade de manutenção do usufruto em caso de bem gravado com tal ônus, sobretudo ao ser levado a hasta pública em processo de execução deflagrado em face do nu-proprietário. Muito embora não conste junto ao novo Código Civil de 2002 qualquer alusão quanto a possibilidade de se extinguir o usufruto em razão do praceamento de bem gravado com tal ônus, a idéia trazida pelo legislador é a de manter o usufruto ao contrário do que determina a direito romano.


A explicação para a manutenção do usufruto, mesmo em caso de praceamento do bem gravado encontra justa ponderação nas explicações de Gustavo Tepedino[iii]. Segundo o renomado doutrinador, a extinção do usufruto leva em consideração a necessária destruição ou perda do bem gravado, ou ainda, a total imprestabilidade da coisa para o uso ao qual fora destinado. Em verdade, a destruição da coisa há que ser completa para que ocorra a extinção do usufruto.

Dentre as várias correntes doutrinárias que tratam do tema, discute-se a possibilidade de extinção do usufruto em razão simples da alteração da substância da coisa – mutatio rei -, já que, para alguns, a mudança da substância poderia implicar na destruição da coisa. Para o direito romano, uma vez transformada a coisa por caso fortuito ou força maior, não mais subsistiria a individuação própria da coisa, cessando, por conseguinte, o usufruto da coisa[iv].

Diversamente do que existe no direito romano, a codificação atual tem optado por afastar-se de tais tradições, optando o legislador pela manutenção do usufruto, mesmo para as situações em que o nu-proprietário é alvo de processo de execução e o bem gravado com tal ônus é levado à hasta pública.


Através da jurisprudência de alguns tribunais, tem-se observado nitidamente a postura de algumas cortes quanto a manutenção ou reforço da existência do usufruto, mesmo em casos de desapropriação. Assim e, neste sentido, é notória a intenção dos tribunais em se manter um relativo afastamento da doutrina tradicional romana, em razão de opção do legislador pátrio quando da efetiva desapropriação do bem.


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. USUFRUTO. JUROS COMPENSATÓRIOS E JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem deixou de se manifestar sobre a aplicação do art. 31 do Decreto-Lei 3.365/1941 e do art. 738 do Código Civil de 1916 ao caso em apreço, relativos à possibilidade de sub-rogar no preço o ônus do usufruto, por ocasião da desapropriação do bem gravado.

2. Não se conhece de Recurso Especial no que diz respeito a matéria não especificamente enfrentada pelo Tribunal a quo, dada a ausência do indispensável prequestionamento. Incidência, por analogia, da Súmula 282 do STF.

3. É inviável o conhecimento, em Recurso Especial, de ofensa aos arts. 5º, XXIV, e 182, § 3º, da Constituição Federal.

4. Os juros compensatórios, nas desapropriações indiretas, incidem a partir da ocupação, nos moldes da Súmula 114/STJ.

5. O termo inicial dos juros moratórios é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, consoante o art. 100 da CF.

6. Recurso Especial de que se conhece parcialmente e, nessa parte, a que se dá parcial provimento.(REsp 959.499/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 09/03/2009)

Caso a dívida seja do nu-proprietário, nada há que impeça a penhora, que poderá incidir sobre seus direitos. O proprietário possui o jus disponendi, que não afeta os direitos do usufrutuário. Desse modo, sobre o imóvel alienado em hasta pública permanece imutável o direito real de usufruto, até que este venha a extinguir-se.


Como se observa, a norma que podemos extrair do exame de diversos julgados é quanto a manutenção do instituto de usufruto, ainda que exista a realização de hasta pública com o bem gravado, dado que a realização de tal procedimento é incapaz de transmudar, segundo a legislação nacional, o direito real de usufruto tendo em vista a prevalência do ius fruendi que acompanha tal instituto de direitos reais.


Vê-se, portanto, que o legislador ordinário optou pela manutenção do usufruto, não apenas em razão da absoluta ausência de previsão sobre a extinção de tal direito nas hipóteses estudadas, mas, sobretudo, em virtude da regulamentação do usufruto com peculiaridades próprias do direito nacional, afastando-se, por conseguinte, do que entende a doutrina romana.

Conclusões:

Conforme pudemos constatar, o usufruto representa um relevante desmembramento dos atributos associados a propriedade, criando um modelo de compartilhamento de algumas das mais relevantes qualidades que integram a propriedade alodial ou plena.


Em nossa codificação atual, constatamos a manutenção do instituto de usufruto, ainda que sobre a nua propriedade penda o gravame de hasta pública, visto que a intenção do legislador ordinário foi a de manter certa distância da doutrina romana. De acordo com o entendimento do direito romano, em havendo a transformação da relação jurídica – mutatio rei -, extingue-se o usufruto. Tal orientação doutrinária, contudo, não teria sido adotada pelo legislador, de modo que a hasta pública não tem o condão de extinguir o usufruto, permanecendo o direito do usufrutuário à guisa do entendimento da atual legislação.






[i] VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 456.

[ii] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. São Paulo: Editora Atlas. 2007. p. 483.

[iii]TEPEDINO, Gustavo. BARBOSA, Heloisa. MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Volume III. São Paulo: Editora Renovar. 2011. P. 835.

[iv] Rei mutatione interire usufuctum placet.

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