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O princípio da capacidade contributiva e os Impostos Reais.



RESUMO:O princípio da isonomia consiste em garantia fundamental do indivíduo contra o poder estatal. Referido princípio aplica-se também ao sistema tributário nacional consubstanciando-se no princípio da isonomia tributária, do qual decorre o princípio da capacidade contributiva. O princípio da capacidade contributiva materializa-se através da técnica da alíquota progressiva. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido da não aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos reais. Entretanto, recentemente, a Corte Suprema, em sede de repercussão geral sobre a matéria, decidiu pela constitucionalidade da lei estadual que determina a aplicação da alíquota progressiva ao ITCMD.



A Constituição da República alberga o princípio da isonomia ou igualdade em seu art. 5o, caput, dispondo serem todos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Trata-se de direito fundamental do indivíduo perante o Estado que, em síntese, significa, conforme a máxima aristotélica, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.

Segundo o doutrinador Inocêncio Mártires Coelho: “Como, por outro lado, no texto da nossa Constituição, esse princípio é enunciado com referência à lei – todos são iguais perante a lei -, alguns juristas construíram uma diferença, porque a consideram importante, entre a igualdade na lei e a igualdade diante da lei, a primeira tendo por destinatário precípuo o legislador, a quem seria vedado valer-se da lei para fazer discriminações entre pessoas que mereçam idêntico tratamento; a segunda, dirigida principalmente aos intérpretes/aplicadores da lei, impedir-lhes-ia de concretizar enunciados jurídicos dando tratamento distinto a quem a lei encarou como iguais”(MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 5. ed. rev.e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p.221).



Como direito fundamental, “pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental” (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p. 118), seria desnecessário ao constituinte o prever expressamente como garantia do contribuinte em face do poder de tributar do Estado. Entretanto, visando enfatizar que essa garantia se aplica também no campo tributário, a Constituição Federal, em seu art. 150, inciso II, dispõe: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Segundo Leandro Pausen (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p.184), “A isonomia imposta pelo art. 150, II, da CF impede que haja diferenciação tributária entre contribuintes que estejam em situação equivalente, ou seja, discriminação arbitrária. Justifica-se a diferenciação tributária quando haja situações efetivamente distintas, se tenha em vista uma finalidade constitucionalmente amparada e o tratamento diferenciado seja apto a alcançar o fim colimado”.


Decorre do princípio da isonomia tributária, o princípio da capacidade contributiva. Trata-se de materialização daquele. Nesse sentido, Alfredo Augusto Becker (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2007. p. 509) ensina: “Antiquíssimo é o princípio de cada indivíduo contribuir para as despesas da coletividade, em razão da sua força econômica. [...] Este princípio se origina, em suas linhas essenciais, do ideal de justiça distributiva formulado pelos filósofos gregos e reaparece na filosofia escolástica, quando recompõe o sistema aristotélico consoante os princípios da teologia católica.”

O princípio da capacidade contributiva está previsto no art. 145, §1o, da Constituição da República, a qual dispõe: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”


Não obstante o dispositivo constitucional referir-se somente aos impostos, é assente na doutrina e na jurisprudência que sua aplicação dá-se em relação a todos os tributos, uma vez que se trata de garantia constitucional do contribuinte em face do poder de tributar estatal e que, por consequência, informa o sistema tributário nacional em sua inteireza. Lapidar a lição do Ministro Ricardo Lewandowski a esse respeito em voto proferido nos autos do Recurso Extraordinário 573675, de onde se extrai o seguinte excerto: “...a despeito de o art. 45, §1o, da Constituição Federal, que alude à capacidade contributiva, fazer referencia apenas aos impostos, não há negar que ele consubstancia uma limitação ao poder de imposição fiscal que informa todo o sistema tributário.”


Para melhor compreensão do âmbito de abrangência do princípio da capacidade contributiva em relação aos impostos, faz-se necessária uma distinção preliminar entre impostos pessoais e impostos reais.


Geraldo Ataliba, com maestria, ensina que: “São impostos reais aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência limita-se a descrever um fato, ou estado de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A hipótese de incidência é um fato objetivamente considerado, com abstração feita das condições jurídicas do eventual sujeito passivo; estas condições são desprezadas, não são consideradas na descrição do aspecto material da hipótese de incidência [...]. Sãoimpostos pessoais, pelo contrário, aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência leva em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos. Em outras palavras, essas qualidades jurídicas influem, para estabelecer diferenciações de tratamento legislativo, inclusive do aspecto material da hipótese de incidência. Vale dizer: o legislador, ao descrever a hipótese de incidência, faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurídicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa tão intimamente os aspectos pessoal e material da hipótese de incidência, que não se pode conhecer este sem considerar aquele.” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 125)


Assim, para que seja configurado um imposto real, a exemplo do ITBI e do IPTU, a hipótese de incidência leva em consideração um fato ou estado de fato, sendo despiciendo qualquer aspecto relativo à pessoa do sujeito passivo da relação jurídico tributária, ao passo que os impostos pessoais, como o próprio nome sugere, estão alicerçados nas qualidade jurídicas dos sujeitos passivos.


Durante muito tempo, vigorou no Supremo Tribunal Federal, com reflexo na doutrina, a ideia de ser o princípio da capacidade contributiva aplicável somente impostos pessoais, excluindo-se sua abrangência os impostos reais. Como exemplo, pode ser citada a Súmula n. 656 da Corte segundo a qual: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”, bem como a pacífica jurisprudência da Suprema Corte acerca do IPTU consubstanciada na Súmula n. 688 do STF: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido antes da Emenda Constitucional 29/00, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”.


O pensamento da Corte fundamentava-se no fato de que a alíquota progressiva, instituto de concretização do princípio da capacidade contributiva, por levar em consideração aspectos econômicos relacionados à pessoa do contribuinte, mostrava-se incompatível com o caráter real de impostos como IPTU, ITCMD e ITBI, os quais, portanto, não seriam aptos a revelar a capacidade contributiva do sujeito passivo da relação jurídica tributária. Assim, segundo o Supremo Tribunal Federal, salvo autorização prevista na Constituição da República, a progressividade nos impostos reais seria vedada.

Em recente releitura da matéria, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 562.045, sob o regime de repercussão geral, passou a entender a plena aplicabilidade do princípio da capacidade contributiva ao ITCMD, que é imposto real, por meio da alíquota progressiva, fundamentando-se, para tanto, no princípio da isonomia tributária. A decisão está consubstanciada na seguinte ementa:


EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL: PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTA DE IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE BENS E DIREITOS. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.(RE 562045, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/02/2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-233 DIVULG 26-11-2013 PUBLIC 27-11-2013 EMENT VOL-02712-01 PP-00001)


Assim, para a Corte Suprema, a lei pode determinar a aplicação, em homenagem ao princípio da capacidade contributiva, da técnica da progressividade tanto aos impostos pessoais quanto aos impostos reais, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 145, §1o, não fez qualquer limitação à aplicação do referido princípio aos impostos pessoais. Dessa feita, ao contrário do que decidiu o STF em relação ao IPTU, não há necessidade de autorização constitucional expressa para a utilização de alíquota progressiva em relação ao ITCMD.




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